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Observo de perto uma dinâmica preocupante: a persistente desconexão entre urgências climáticas e decisões de investimento em portfólios imobiliários. Vivemos uma contradição perigosa – enquanto o planeta aquece aceleradamente, decisões corporativas permanecem presas em análises financeiras de curtíssimo prazo.

A realidade nas organizações latino-americanas é alarmante. Existe diferença abissal entre implementar ações isoladas de “sustentabilidade” e desenvolver planos estratégicos integrados para reduzir emissões GEE (Gases de Efeito Estufa). Vejo iniciativas fragmentadas – uma lâmpada LED aqui, um sensor ali – tratadas como “conquistas sustentáveis”. Mas sustentabilidade real não é cosmética; é transformação sistêmica exigindo planejamento, investimento e mudança de mindset organizacional.

A miopia do ROI

Embora existam ações de custo marginal, as iniciativas que mudam o jogo demandam investimento de médio e longo prazo. Aqui surge o primeiro obstáculo: a maioria das organizações latino-americanas não estrutura orçamento dedicado às ações de sustentabilidade imobiliária. Quando existe, é linha genérica disputada entre “projetos especiais” e frequentemente cortada nos ajustes fiscais.

Estas organizações subestimam a importância de profissionais especializados, delegando iniciativas às equipes de Facilities, que não possuem expertise estratégica em sustentabilidade. É como pedir para um técnico em ar-condicionado projetar a descarbonização de 50 edifícios – competências completamente diferentes.

Além disso, poucas empresas medem EFETIVAMENTE impactos operacionais com métricas adequadas. Sem dados consistentes, como saber se progredimos? Como justificar investimentos futuros? A ausência de dados confiáveis cria ciclo vicioso onde sustentabilidade permanece no reino das boas intenções, nunca na execução estratégica.

A pergunta clássica permanece: “qual o ROI?” – esperando retorno quase imediato como critério único de aprovação. Esta mentalidade revela miopia estratégica perigosa. Imaginem aplicar a mesma lógica aos seguros: “Qual o ROI do seguro contra incêndio? Se não pegar fogo, foi dinheiro jogado fora.” Absurdo, mas é assim que tratamos investimentos em resiliência climática.

Quando, então, haverá consciência sobre os rumos que o mundo traça, à mercê de decisões imediatistas?

O peso do setor imobiliário

O cenário futuro está longe de otimista. A temperatura global aumentou 1,5-1,6°C acima dos níveis pré-industriais, sendo 2024 o primeiro ano ultrapassando consistentemente este limite. Estudos científicos já apontam para cenários muito preocupantes, com aumento entre 2,0 e 4,0°C nas próximas décadas, no melhor estilo de “Mad Max” e “Water World“.  Enquanto isso, seguimos discutindo (de forma isolada) ROI, e colocando “outras prioridades” no pipeline, ano após ano.

O setor imobiliário responde por 40% das emissões globais de CO2. Na América Latina, onde o crescimento urbano acelera, esta participação tende a aumentar. Cada dia de atraso representa toneladas adicionais de carbono na atmosfera. Os riscos físicos são uma realidade: eventos climáticos extremos causaram US$ 100 bilhões em perdas ao setor global em 2023. No Brasil, enchentes, secas e tempestades impactam diretamente operações e valores de ativos.

Paradoxalmente, a América Latina possui vantagens únicas: energia renovável abundante, biodiversidade incomparável e população jovem consciente. Mas desperdiçamos essas vantagens mantendo estruturas de decisão ultrapassadas.

Empresas pioneiras já colhem resultados: 20-30% de redução em custos operacionais, maior atratividade para talentos e acesso facilitado a capital verde. A maioria permanece na zona de conforto da inação.

O caminho para a mudança

Primeiro, a transformação precisa começar pela alta liderança. Sustentabilidade não pode mais ser delegada ao segundo escalão ou tratada como projeto adjacente, mas integrar as decisões estratégicas centrais da organização.

Segundo, devemos parar de tratar sustentabilidade como centro de custo e começar a enxergá-la como driver de valor. Os mercados financeiros já precificam riscos climáticos – seja proativamente, investindo em soluções, seja reativamente, arcando com os custos da inação.

Terceiro, precisamos profissionalizar a gestão sustentável. Isso significa orçamentos dedicados, equipes especializadas, métricas robustas e governança adequada.

A realidade, por enquanto, é dura: finanças e sustentabilidade são universos distantes. Um vê números, outro vê futuro. Um pensa trimestre, outro pensa geração. Não temos luxo de esperar pela sinergia perfeita. O tempo está se esgotando, e as consequências da inação serão muito reais.

A pergunta não é mais “quando” integraremos sustentabilidade e finanças, mas se ainda temos tempo para fazê-lo ordenadamente, ou seremos forçados a reagir quando os custos da inação se tornarem insustentáveis. Temos uma janela de oportunidade fechando rapidamente. Podemos liderar a transformação ou ser transformados por ela. A escolha ainda é nossa – mas não por muito tempo.

 

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